Deficiência Auditiva:

06/04/2010 17:17

A educação de surdos ao longo da historia esteve inscrita no campo da Educação Especial, campo este circunscrito a escolarização de sujeitos que apresentam alguma diferença sensorial, física, mental e/ ou algumas dessas diferenças associadas. Ao longo do período que costumamos denominar de Idade Moderna, na Europa, encontramos inúmeros registros de trabalhos desenvolvidos por religiosos católicos e protestantes tendo como sujeitos pessoas surdas. Esses trabalhos oportunizaram um deslocamento social, sem projeto de Estado não sendo considerados humanos e sim, seres castigados pelos deuses.

O humanismo e o racionalismo que foram as bases da ciência moderna possibilitaram a passagem do entendimento de “seres castigados pelos deuses” para o de sujeitos com direitos a socialização e a educação.

O famoso esforço do Dr. Itard em socializar o menino selvagem Victor de Aveyron na Franca do século XVIII, funda na historia a possibilidade de intervenção medico – educacional em uma criança abandonada nas florestas. Sua origem e desconhecida, no entanto podemos fazer algumas inferências relativas a sua situação de abandono, examinando a infância na Franca do século XVIII, e mais, a infância de uma criança que não falava, não respondia a estímulos sonoros e tinha graves comprometimento emocionais. Categorizadas como selvagens essas crianças sofriam o abandono dos pais, do estado, vivendo nas florestas, longe, portanto, dos povoados, excluídos do convívio social.

São muitos os registros, na historia, de crianças abandonadas por serem diferentes e que tiveram que assumir a condução de suas vidas  sem conviver com outras pessoas, algumas ate “adotadas” por famílias de animais como no episodio das meninas lobo da Índia. Graças aos relatórios do Dr. Itard sobre seus procedimentos com o menino Victor, podemos acompanhar as tentativas de socialização de uma dessas crianças e constatar as contribuições desse medico em varias campos da ciência a partir dessa experiência. Só para citar algumas; no campo da otologia clinica, para as pesquisas sobre autismo e para a obra de Maria Montessori e suas experiências com os sentidos.

Com todos os cuidados que devemos ter ao nos debruçarmos para o passado buscando iluminar o presente, evitando a historia tribunal ou como deveria ter sido, podemos compreender a importância do trabalho desses pioneiros da educação especial. Ao contrario de seu mestre Philippe Pinel que não nutria esperança em educar o menino selvagem atribuindo o seu abandono o fato de ser idiota, Itard assumiu o desafio de educá-lo. Na qualidade de medico, buscou superar a incapacidade auditiva de Victor, e, nesse aspecto, sentiu-se malogrando em suas tentativas.

A medicina de nada vale naquilo que esta morto, e por aquilo que me foi dado a observar, não há vida no ouvido de um surdo-mudo. Quanto a isso, não há nada que a ciência posso fazer” (Banks-Leite e Souza, 2000, pg192)

O olhar lançado por Itard a Victor, talvez tenha sido para a sua falta (o sentido da audição) e suas outras potencialidades tenham sido secundarizadas. Registre-se, no entanto, que houve um olhar de um medico, um olhar clinico, mas houve um olhar o qual, para alguns críticos da Educação Especial será o olhar único ou senão hegemônico, ao longo da historia dessa modalidade de ensino.

Dependendo do recorte que fizermos para olhar o problema, poderemos situar a Educação Especial como a grande vila segregacionista, assistencialista, clinica e que significa seus sujeitos na deficiência e não nas outras eficiências não afetadas por alguma patologia. Se a educação normais esteve no âmbito do direito e o ensino de surdos no da moral assistencialista (Soares, 1999, pg115) tendo a contrapor-me  dizendo que o ensino de surdos esteve inscrito no direito a assistência, o que naquela altura representava um avanço extraordinário para sua condição social.

Em decorrência do projeto do ascendente Estado Moderno burguês de criar escola e popularizar a educação, e, do trabalho dos religiosos católicos e protestantes, inúmeros institutos foram fundados, primeiro na Europa depois na America, EUA, México e Brasil. Concebidos em prédios grandiosos, neles viviam os surdos longe de suas famílias e ainda afastados do convívio da sociedade. De toda sorte, esses institutos representavam um avanço estupendo para uma população não desejante, não reconhecida, invisível, sem cidadania e por vezes, sem direito a vida.

De fora para dentro, a população olhava aqueles muros imaginando o que acontecia para alem deles. Do lado de dentro, profissionais ocupados com a socialização, educação e escolarização dos surdos, formulavam políticas, discutiam caminhos para sua educação.

No mesmo século de Itard, XVIII, temos registro do primeiro embate publico sobre métodos para trabalhar a educação da pessoa surda. Trata-se da famosa discussão entre o abade Frances Charles Michel de L’ Epée (1721-1789), autor do método mímico com a utilização de sinais, e o pastor alemão Samuel Heinicke (1721-1790), defensor do método oral. Esses conflitos, cujas raízes históricas remontam às tenções entre a Reforma e a Contra-Reforma (Novoa, 1991, pg113), atravessaram séculos e ainda permanecem no centro das discussões e formulações atuais de políticas publicas.

Em 1880, um congresso realizado em Milão com a presença de inúmeros profissionais ligados aos institutos de surdos, decreta que os sinais são perniciosos para a educação de surdos proclamando o método oral como o mais adequado. Essa deliberação vai marcar profundamente o campo abrindo um fosso entre os que aderiram radicalmente a essa proposta e os que reagiram a ela.

 

Escolarização Clinica / LIBRAS como primeira Língua                

 

Os métodos orais demandavam um tempo enorme de treinamento da fala e dos resíduos auditivos, concorrendo com a escolarização formal que ia sendo abandonada pela importância que era dada a expressão pela palavra oral. Essa perspectiva de escolarização clinica adiou aquilo que podemos chamar de escolarização com foco no ensino, descolada das faltas de seus sujeitos, no caso dos surdos, da audição. Os impacientes resultados dessa política oralista para surdos, que demandavam ensino publico de massa, estimularam o surgimento, em meados da década de 90, do século XX, de um movimento transnacional, contanto com acadêmicos, profissionais da área da surdez e dos próprios surdos no sentido de apontar outros caminhos para a escolarização e socialização desses sujeitos. Com apoio das pesquisas realizadas na área da lingüística que conferiu status de língua a comunicação gestual entre surdos esse movimento ganha corpo. No entanto, muito do que se produziu no campo acadêmico dentro dessa nova perspectiva, não contribuiu para a abertura de um diálogo com aqueles que defendiam outro paradigma. Ao contrario, o que se viu, foram formulações em tom acusatório aos oralistas, jogando episódios da historia num tribunal que parece não ter fim. O próprio Itard e julgado por suas experiências com Victor ao ter como referencia os pressupostos do iluminismo:

(...) “a filiação rigorosa a tais saberes, impediu-o de considerar importante as novidades que surgiam na relação com Victor; a postura adotada por Itard não permitiu um remanejamento de suas praticas face ao garoto, ou, quando efetuava uma tentativa nesse sentido, era sempre fiel aos mesmo princípios básicos aceitos a priori, e, por tanto, estranhos à própria relação que se  desenrolava entre o mestre e o aprendiz” “(Banks-Leite e Souza, 2000, p59)”

Fica a idéia de que as autoras esperavam do Dr. Itard diferentes formulações. Talvez, ensejassem uma adesão do medico iluminista as atuais proposta para a educação de surdos, numa espécie de anacronismo positivo que levaria o mestre a relacionar-se em outras bases com seu aprendiz.

Reduzir a historia à ação entre mocinhos e bandidos e um tortuoso caminho fácil. Difícil e tentar compreender as razoes da historia e seus longos e imbricados processos.

 

Tensões atuais: LIBRAS língua de instrução X Inclusão

 

Atualmente, no campo acadêmico, o discurso hegemônico é que o surdo tem um identidade constituída, uma língua e devera receber sua escolarização junto com outros surdos, de preferência numa escola só de surdos, inclusive seu corpo docente (Skliar, 1999). Essa proposta exige de nos uma reflexão profunda no sentido de examinar sua potencia libertadora, constitutiva de identidade ou se e uma nova roupa para a velha segregação. Dentro desse corpo de idéias e que surgem as mais severas criticas a atual política de Estado Escola Para Todos, numa perspectiva inclusiva. Seus contumazes críticos desenvolvem seus argumentos numa perspectiva macro apontando seu caráter neoliberal subordinada aos organismos internacionais e numa perspectiva micro, afirmando que a inclusão e a velha idéia de normalização ou apagamento das diferenças.

A globalização, interpretada segundo um viés neoliberal, com os rumos que vem tomando, poderá ser como um rolo compressor ao pasteurizar as diversidades sociais (...) Pouco adianta a presença de profissionais surdos na escola se eles são subservientes aos desígnios de especialistas ouvintes, preocupados tão somente em facilitar o acesso à língua majoritária (Souza e Góes, 1999, p184).

Para iluminar essa discussão vamos ver o que diz a Declaração de Salamanca, documento da ONU, indutor de políticas publicas para os países signatários, sobre a educação de surdos:

As políticas educativas deverão levar em conta as diferenças individuais e as diversas situações. Deve ser levada em consideração, por exemplo, a importância da linguagem dos sinais como meio de comunicação para os surdos, e ser assegurado a todos os surdos, e se assegurado a todos os surdos acesso ao ensino da linguagem de sinais de seu pais”. Pg30

Como desdobramento, o Plano Nacional de  Educação aponta a implementação em cinco anos e para generalizar em dez a Língua de Sinais nas escolas brasileiras. Ao invés de apagamento como entendem alguns, a inclusão traz a possibilidade da visibilidade desses sujeitos que ainda estão longe das escolas em sua grande maioria, sendo ainda considerados doentes ou incapazes, aprisionados numa lógica perversa que, como entendemos, somente o direito à escolarização imediata poderá resgatar.

Os surdos não configuram uma categoria abstrata. São pessoas com historias diferentes, crenças diferentes e processos de socialização diferente. Em junho de 2001, uma publicação evangélica circulou no INES, chama-se Carta Viva. A capa do exemplar continha o seguinte titulo, Surdos curados em todo pais. Em seu interior inúmeros depoimentos de surdos curados. Na publicação citada, os surdos tem tratamento de seres doentes e sua surdez, passível de cura. No mesmo ano em Brasília no MEC, cidadãos surdos oriundos de quase todos os estados brasileiros, estiveram uma semana na capital federal. Financiados pelo poder publico, capacitarem professores, alunos surdos e a comunidade em geral, em sua língua. A política inclusiva viabilizava sua reinserção na realidade do docente de seus docentes, oportunizando um deslocamento do paradigma de sujeitos doentes passiveis de cura à sujeito com autoria nas políticas sociais e educacionais de seus iguais. Assim sendo, os sistemas de ensino publico estarão se aprontando para sua diversidade e não apostando em seu pagamento.

Entendo que não devemos perder o foco na enorme massa de surdos excluídos das escolas em função da perversa lógica de não terem escolas devido a estas não estarem prontas para eles ou não terem escola por não estarem prontos para elas. Não há mais como esperar. A inclusão escolar dos surdos inscreve-se agora no âmbito dos direitos humanos e sua negação ou impedimento é um crime contra humanidade. Penso que o dialogo necessário entre as tensões desse campo e estabelecer como prioridade políticas de aproximação com as famílias de surdos para que tragam seus filhos para a escola. Partindo de sua presença nos sistemas públicos de ensino, nos quais remotos cantos do território brasileiro, viabilizar-se-á sua educação em consonância com as discussões acadêmicas, as lideranças surdas e os profissionais que nela atuam.

 

Inclusão Escolar de Alunos Surdos:

 

Questões Centrais

 

 I – As Línguas;

 

 Portuguesa (escrita e oral)

 

 Escrita – A modalidade escrita da língua portuguesa deve ser ofertada desde a educação infantil, concomitante ao aprendizado da Língua de Sinais. Como sugestão, os seguintes meios:

 ·         Praticas metodológicas de ensino de segundas línguas;

·         Utilização da escrita na interação simultânea professor/aluno (conversação);

·         Escolha previa de texto de acordo com a competência lingüística dos alunos;

·         Apresentação de referencias relevantes (contexto histórico, enredo, personagens, localização geográfica, biografia do autor, etc.) sobre o texto, em língua de sinais ou outros recursos comunicativos, antes de sua leituras;

·         Exploração do vocabulário e da estrutura do texto (decodificação de vocábulos desconhecidos, por meio de associações e analogias);

·         Ênfase aos aspectos semânticos e estruturais do texto;

·         Estimulo à formação de opinião e do pensamento critico;

·         Interpretação de textos por meio de material plástico (desenho, pintura e murais) ou cênico (dramatização e mímica);

·         Avaliação diferenciada, considerando-se a interferência de aspectos estruturais da língua de sinais;

 

Oral – A modalidade oral da língua portuguesa deve ser ofertada desde a educação infantil, em período contrario ao da escolarização e realizada por profissionais adequados (fonoaudiólogos ou professores com especialização), em parceria com as áreas de educação e saúde.

Obs.: As considerações acima tiveram como base o livro Adaptações Curriculares em Ação – Desenvolvendo Competências para o Atendimento às Necessidades Educacionais de Alunos Surdos, Brasilia, MEC/SEESP, 2002.

 

LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais)

 

 Sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria e complexa, com regras fonológicas, morfológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas. Seus usuários são surdos e/ou ouvintes que freqüentam as diversas modalidades de comunidade surda (igrejas, escolas, clubes, associações e outros)

A Língua de Sinais (LS) é uma construção histórica das comunidade de surdos, não sendo um sistema um sistema lingüístico universal. Cada pais tem a sua própria língua produto de suas especificas condições sócias, políticas e culturais. Ao longo dos séculos teve varias denominações tais como: mímica, comunicação mímica, linguagem sinalizada, gestos, entre outras.

A partir das pesquisas de William Stokoe, no inicio dos anos de 1960 nos EUA, ganha status de língua em vários países, proporcionando uma mudança de paradigma nas propostas de escolarização envolvendo sujeitos surdos.

No Brasil, foi reconhecida pela Lei 10.436 de 24/04/2004, como um sistema lingüístico oriundo de comunidades de pessoas surdas no Brasil. Esse reconhecimento e sua regulamentação através do Decreto n. 5.626 de 22/12/2005 operam inúmeras mudanças que atingem significativamente o sistema educacional no Brasil.

 

 II - Possibilidades de Escolarização

 

Escola Regular – Turmas mistas ou classes especiais:

                               Mistas (surdas e ouvintes) – português como primeira língua

                               Classes de surdos – possibilidade do português como segunda língua

                               Sala de recursos com foco nas questões lingüísticas

 

 Escola de Surdos – Ensino em Libras / português como segunda língua

 

III – Inclusão escolar e os sujeitos surdos (algumas considerações)

·         Peculiaridades lingüísticas;

·         Experiência sócio-cultural heterogenia em relação à surdez

·         Etiologia da surdez diferenciada.

·         Relação com duas línguas

·         Múltiplas identidade

 

IV – Construindo um Ambiente Escolar Inclusivo

      

(algumas sugestões de sensibilização)

 ·         Promover eventos dos quais todos os atores do universo escolar (alunos, professores, familiares, merendeiras, motorista, técnicos, atendentes e outros) participem, objetivando conhecer as peculiaridades sócio-culturais dos alunos. No caso dos surdos; apresentar filmes que discutam suas questões, estimular a leitura de textos de jornais ou acadêmicos que tratem sobre o tema da surdez e, também, organizar atividades que divulguem a LIBRAS. Todas essas atividades possibilitarão a formação de conceitos positivos entre os grupos evitando atitudes preconceituosas;

·         Pensar a escola como um espaço de socialização, considerando que todos os atores descritos acima exercem importantes influencia nas relações ensino-aprendizagem;

·         Estimular o respeito entre os sujeitos sem apelos hierárquicos;

A construção de uma Escola Para Todos, depende muito de nossa disposição para o convívio com a diversidade humana. Legalmente, toda criança tem direito à escola. A efetivação desse direito esta intimamente ligada à nossa disposição para o outro. Não representa nenhuma concessão, nenhum favor. Representa o nosso compromisso com a Políticas Públicas, nossa existência necessita do convívio com a diversidade, dentre Citando o filosofo Jean Baudrillard, “O Outro é o que me da a possibilidade de não me repetir ao infinito”

 

Bibliografia:

 

BANKS-LEITE, Luci e SOUZA, Regina. O des(encontro) entre Itard e Victor os fundamentos de uma Educacao Especial In: BANKS-LEITE, Luci e GALVAO, Isabel (org). A Educacao de um Selvagem: As esperiencias pedagógicas de Jean Itard. São Paulo, Cortez Editora, 2000.

 

NÓVOA, Antonio, para o estudo sócio-historico da gênese e desenvolvimento da profissão docente. Teoria e Educacao, numero  4. Porto Alegre, RS: Pannonica Editora Ltda, p. 109-134, 1991.

 

SOARES, R.R. Revista Carta Viva, RJ, Junho 2001

 

ROCHA. Solange Maria da. Historico do Instituto Nacional de Educacao de Surdos – INES – Revista Espaco – Edicao Comemorativa, INES/MEC, Rio de Janeiro, 1997

 

SKLIAR, Carlos. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: SKLIAR, Carlos (org) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre, Mediacao, 1999.

 

SOARES, Maria Aparecida Leite. A Educacao do Surdo no Brasil. Campinas, Editora Autores Associados, 1999.

 

SOUZA, Regina Maria e GOES, Maria Cecilia Rafael de. O ensino para surdos na escola inclusiva: considerações sobre o excludente contexto da inclusão In: SKILIAR, Carlos (org) Atualidade em educação bilíngüe para surdos. Porto Alegre, Mediacao, 1999.

 

UNESCO – Declaracao de Salamarca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasilia: CORDE, 1994.